ARTIGO TEOLÓGICO: A SALVAÇÃO



A Salvação

O Senhor Jesus Cristo, pela sua morte expiatória, comprou a salvação para os homens. Como Deus a aplica e como é ela recebida pelos homens para que se torne uma realidade experimental? As verdades relaciona­das com a aplicação da salvação agrupam-se sob três títulos: Justifica­ção, Regeneração e Santificação. As verdades relacionadas com a acei­tação da salvação, por parte dos homens, agrupam-se sob os seguintes títulos: Arrependimento, Fé e Obediência.

I. A natureza da salvação

O assunto desta secção será: Que é que constitui a salvação, ou "estado de graça"?

1. Três aspectos da salvação.

Há três aspectos da salvação, e cada qual se caracteriza por uma palavra que define ou ilustra cada aspecto:
(a) Justificação é um termo forense que nos faz lembrar um tribunal. O homem, culpado e condenado, perante Deus, é absolvido e declarado justo — isto é, justificado.


(b) Regeneração (a experiência subjetiva) e Adoção (o privilégio objetivo) sugerem uma cena familiar. A alma, morta em transgressões e ofensas, precisa duma nova vida, sendo esta concedida por um ato divino de regeneração. A pessoa, por conseguinte, torna-se herdeira de Deus e membro de sua família.


(c) A palavra santificação sugere uma cena do templo, pois essa palavra relaciona-se com o culto a Deus. Harmonizadas suas relações com a lei de Deus e tendo recebido uma nova vida, a pessoa, dessa hora em diante, dedica-se ao serviço de Deus. Comprado por elevado preço, já não é dono de si; não mais se afasta do templo (figurativamente falando), mas serve a Deus de dia e de noite. (Luc. 2:37.) Tal pessoa é santificada e por sua própria vontade entrega-se a Deus.

O homem salvo, portanto, é aquele cuja vida foi harmonizada com Deus, foi adotado na família divina, e agora dedica-se a servi-lo. Em outras palavras, sua experiência da salvação, ou seu estado de graça, consiste em justificação, regeneração (e adoção), e santificação. Sendo justificado, ele pertence aos justos; sendo regenerado, ele é filho de Deus; sendo santificado, ele é "santo" (literalmente uma pessoa santa).
São essas bênçãos simultâneas ou consecutivas? Existe, de fato, uma ordem lógica: o pecador harmoniza-se, primeiramente, perante a lei de Deus; sua vida é desordenada; precisa ser transformada. Ele vivia para o pecado e para o mundo e, portanto, precisa separar-se para uma nova vida, para servir a Deus. Ao mesmo tempo as três experiências são simultâneas no sentido de que, na prática, não se separam. Nós as separamos para poder estudá-las. As três constituem a plena salvação. À mudança exterior, ou legal, chamada justificação, segue-se a mudança subjetiva chamada regeneração, e esta , por sua vez, é seguida por dedicação ao serviço de Deus. Não concordamos em que a pessoa verdadeiramente justificada não seja regenerada; nem admitimos que a pessoa verdadeiramente regenerada não seja santificada (embora seja possível, na prática, uma pessoa salva, às vezes, violar a sua consagração). Não pode haver plena salvação \ sem essas três experiências, como não pode haver um triângulo sem três lados. Representam elas o tríplice fundamento sobre o qual se baseia subseqüente vida cristã. Começando com esses três princípios, progride a vida cristã em direção à perfeição.

Essa tríplice distinção regula a linguagem do Novo Testamento em seus mínimos detalhes. Ilustremos assim:
(a) Em relação à justificação: Deus é o Juiz, e Cristo é o Advogado; o pecado é a transgressão da lei; a expiação é a satisfação dessa lei; o arrependimento é convicção; aceitação traz perdão ou remissão dos pecados; o Espírito testifica do perdão; a vida cristã é obediência e sua perfeição é o cumprimento da lei da justiça.

(b) A salvação é também uma nova vida em Cristo. Em relação a essa nova vida, Deus é o Pai (Aquele que gera), Cristo é o Irmão mais velho e a vida; o pecado é obstinação, é a escolha da nossa própria vontade em lugar da vontade do Chefe da família; expiação é reconciliação; aceitação é adoção; renovação de vida é regeneração, é ser nascido de novo; a vida cristã significa a crucificação e mortificação da velha natureza, a qual se opõe ao aparecimento da nova natureza, e a perfeição dessa nova vida é o reflexo perfeito da imagem de Cristo, o unigênito Filho de Deus.

(c) A vida cristã é a vida dedicada ao culto e ao serviço de Deus, isto é, a vida santificada. Em relação a essa Vida santificada, Deus é o Santo; Cristo é o sumo sacerdote; o pecado é a impureza; o arrependimento é a consciência dessa impureza; a expiação é o sacrifício expiatório ou substitutivo; a vida cristã é a dedicação sobre o altar (Rom. 12:1); e a perfeição desse aspecto é a inteira separação do pecado; separação para Deus.
E essas três bênçãos da graça foram providas pela morte expiatória de Cristo, e as virtudes dessa morte são concedidas ao homem pelo Espírito Santo. Quanto à satisfação das reivindicações da lei, a expiação proveu o perdão e a justiça para o homem. Abolindo a barreira existente entre Deus e o homem, ela possibilitou a nossa vida regenerada. Como sacrifício pela purificação do pecado, seus benefícios são santificação e pureza.
Notemos que essas três bênçãos fluem da nossa união com Cristo. O crente é um com Cristo, em virtude de sua morte expiatória e em virtude do seu Espírito vivificante. Tornamo-nos justiça de Deus nele, (2 Cor. 5:21); por ele temos perdão dos pecados (Efés. 1:7); nele somos novas criaturas, nascidos de novo, com nova vida (2 Cor. 5:17); nele somos santificados (1Cor. 1:2), e ele é feito para nós santificação (1Cor. 1:30). Ele é "autor da salvação eterna".

2. Salvação - externa e interna.

A Salvação é tanto objetiva (externa) como subjetiva (interna).
(a) A justiça, em primeiro lugar, é mudança de posição, mas é acompanhada por mudança de condições. A justiça tanto é imputada com também conferida.

(b) A adoção refere-se a conferir o privilégio da divina filiação; a regeneração trata da vida interna que corresponde à nossa chamada e que nos faz "participantes da natureza divina".

(c) A santificação é tanto externa como interna. De modo externo é separação do pecado e dedicação a Deus; de modo interno é purificação do pecado.
O aspecto externo da graça é provido pela obra expiatória de Cristo; o aspecto interno é a operação do Espírito Santo.

3. Condições da salvação.

Que significa a expressão condições da salvação? Significa o que Deus exige do homem a quem ele aceita por causa de Cristo e a quem dispensa as bênçãos do Evangelho da graça.
As Escrituras apresentam o arrependimento e a fé como condições da salvação; o batismo nas águas é mencionado como símbolo exterior da fé interior do convertido. (Mar. 16:16; Atos 22: 16; 16:31; 2:38; 3:19.)
Abandonar o pecado e buscar a Deus são as condições e os preparativos para a salvação. Estritamente falando, não há mérito nem no arrependimento nem na fé; pois tudo quanto é necessário para a salvação já foi providenciado a favor do penitente. Pelo arrependimento o penitente remove os obstáculos à recepção do dom; pela fé ele aceita o dom. Mas, embora sejam obrigatórios o arrependimento e a fé, sendo mandamentos, é implícita a influência ajudadora do Espírito Santo. (Notem a expressão: "Deu Deus o arrependimento" Atos 11:18.) A blasfêmia contra o Espírito Santo afasta o único que pode comover o coração e levá-lo à contrição. Por conseguinte, para tal pecado não há perdão.
Qual é a diferença entre o arrependimento e a fé? A fé é o instrumento pelo qual recebemos a salvação, fato que não se dá com o arrependimento. O arrependimento ocupa-se com o pecado e o remorso, enquanto a fé ocupa-se com a misericórdia de Deus.
Pode haver fé sem arrependimento? Não. Só o penitente sente a necessidade do Salvador e deseja a salvação de sua alma.
Pode haver arrependimento verdadeiro sem fé? Ninguém poderá arrepender-se no sentido bíblico sem fé na Palavra de Deus, sem acreditar em suas ameaças do juízo e em suas promessas de salvação.
São a fé e o arrependimento apenas medidas preparatórias à salvação? Ambos acompanham o crente durante sua vida cristã; o arrependimento torna-se em zelo pela purificação da alma; e a fé opera pelo amor e continua a receber as coisas de Deus.

(a) Arrependimento. Alguém definiu o arrependimento das seguintes maneiras: "A verdadeira tristeza sobre o pecado, incluindo um esforço sincero para abandoná-lo"; "tristeza piedosa pelo pecado"; "convicção da culpa produzida pelo Espírito Santo ao aplicar a lei divina ao coração"; ou, nas palavras de menino: "Sentir tristeza a ponto de deixar o pecado."

Ha três elementos que constituem o arrependimento segundo as Escrituras: intelectual, emocional e prático. Podemos ilustrá-los da seguinte maneira: (1) O viajante que descobre estar viajando em trem errado. Esse conhecimento corresponde ao elemento intelectual pelo qual a pessoa compreende, mediante a pregação da Palavra, que não está em harmonia com Deus. (2) O viajante fica perturbado com a descoberta. Talvez alimente certos receios. Isso ilustra o lado emocional do arrependimento, que é uma auto-acusação e tristeza sincera por ter ofendido a Deus. (2 Cor. 7:10) (3) Na primeira oportunidade o viajante deixa esse trem e embarca no trem certo. Isso ilustra o lado prático do arrependimento, que significa em "meia-volta.. . volver!" e marchar em direção a Deus. Há uma palavra grega traduzida "arrependimento", que significa literalmente "mudar de idéia ou de propósito". O pecador arrependido se propõe mudar de vida e voltar-se para Deus; o resultado prático é que ele produz frutos dignos do arrependimento. (Mat. 3:8.)
O arrependimento honra a lei como a fé honra o evangelho. Como, pois, o arrependimento honra a lei? Contristado, o homem lamenta ter-se afastado do santo mandamento, como também lamenta sua impureza pessoal que, à luz dessa lei, ele compreende. Confessando — ele admite a justiça da sentença divina. Na correção de sua vida ele abandona o pecado e faz a reparação possível e necessária, de acordo com as circunstâncias.
De que maneira o Espírito Santo ajuda a pessoa a arrepender-se? Ele a ajuda aplicando a Palavra de Deus à consciência, comovendo o coração e fortalecendo o desejo de abandonar o pecado.

(b) Fé. Fé, no sentido bíblico, significa crer e confiar. É o assentimento do intelecto com o consentimento da vontade. Quanto ao intelecto, consiste na crença de certas verdades reveladas concernentes a Deus e a Cristo; quanto à vontade, consiste na aceitação dessas verdades como princípios diretrizes da vida. A fé intelectual não é o suficiente (Tia. 2:19; Atos 8:13, 21) para adquirir a salvação. É possível dar seu assentimento intelectual ao Evangelho sem, contudo, entregar-se a Cristo.

A fé oriunda do coração é o essencial (Rom. 10:9). Fé intelectual significa reconhecer como verídicos os fatos do evangelho; fé provinda do coração significa a pronta dedicação da própria vida as obrigações implícitas nesses fatos. Fé, no sentido de confiança, implica também o elemento emocional. Por conseguinte, a fé que salva representa um ato da inteira personalidade, que envolve o intelecto, as emoções e a vontade.
O significado da fé determina-se pela maneira como se emprega a palavra no original grego. Fé, às vezes, significa não somente crer em um corpo de doutrinas, mas, sim, crer em tudo quanto é verdade, como, por exemplo nas seguintes expressões: "Anuncia agora a fé que antes destruía (Gál. l:2d); apostatarão alguns da fé" (1 Tim. 4:1); "a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos (Jud. 8). Essa fé é denominada, às vezes, "fé objetiva" ou externa. O ato de crer nessas verdades é conhecido como fé subjetiva.
Seguida por certas preposições gregas a palavra "crer" exprime a idéia de repousar ou apoiar-se sobre um firme fundamento; é o sentido da palavra crer que se lê no Evangelho de João 3:16. Seguida por outra preposição, a palavra significa a confiança que faz unir a pessoa ao objeto de sua fé. Portanto, te e o elo de conexão entre a alma e Cristo.
A fé é atividade humana ou divina? O fato de que ao homem e ordenado crer implica capacidade e obrigação de crer. Todos os homens tem a capacidade de depositar sua confiança em alguém e em alguma coisa. Por exemplo: um deposita sua fé em riquezas, outro no homem, outro em amigos, etc. Quando a crença e depositada na palavra de Deus, e a confiança está em Deus e em Cristo, isso constitui fé que salva. Contudo, reconhecemos a graça do Espírito Santo, que ajuda, em cooperação com a Palavra, na produção dessa fé (Vide João 6:44; Rom. 10:17; Gál. 5:22; Heb. 12:2.)
Que é então, a fé que salva? Eis algumas definições: "Fé em Cristo e graça salvadora pela qual o recebemos e nele confiamos inteiramente para receber a salvação conforme nos é oferecida no evangelho." E o "ato exclusivamente do penitente, ajudado, de modo especial, pelo Espírito, e como descansando em Cristo." "É ato ou hábito mental da parte do penitente, pelo qual, sob a influencia da graça divina, a pessoa põe sua confiança em Cristo como seu único e todo suficiente Salvador." "É uma firme confiança em que Cristo morreu pelos meus pecados, que ele me amou e deu-se a si mesmo por mim." "E crer e confiar nos méritos de Cristo, e por cuja cousa Deus está disposto a mostrar-nos misericórdia." "É a fuga do pecador penitente para a misericórdia de Deus em cristo.

4. Conversão.

Conversão, segundo a definição mais simples, é abandonar o pecado e aproximar-se de Deus. (Atos 3:19.) O termo é usado para exprimir tanto o período crítico em que o pecador volta aos caminhos da justiça como também para expressar o arrependimento de alguma transgressão por parte de quem ja se encontra nos caminhos da justiça. (Mat. 18:3; Luc. 22:32; Tia. 5:20.)

A conversão está muito relacionada com o arrependimento e a te, e, ocasionalmente, representa tanto um como outro ou ambos, no sentido de englobar todas as atividades pelas quais o homem abandona o pecado e se aproxima de Deus. (Atos 3:19; 11:21; 1 Ped. 2:25.) O Catecismo de Westminster, em resposta à sua própria pergunta, oferece a seguinte e adequada definição de conversão:

Que é arrependimento para a vida?
Arrependimento para a vida é graça salvadora, pela qual o pecador, sentindo verdadeiramente o seu pecado , e lançando mão da misericórdia de Deus em Cristo, e sentindo tristeza por causa do seu pecado e ódio contra ele, abandona-o e aproxima-se de Deus, fazendo o firme propósito de, daí em diante, ser obediente a Deus.

Note-se que, segundo essa definição, a conversão envolve a personalidade toda — intelecto, emoções e vontade.
Como se distingue conversão de salvação? A conversão descreve o lado humano da salvação. Por exemplo: observa-se que um pecador, bêbado notório, não bebe mais, nem joga, nem freqüenta lugares suspeitos; ele odeia as coisas que antes amava e ama as coisas que outrora odiava. Seus amigos dizem: "Ele está convertido; mudou de vida." Essas pessoas estão descrevendo o que aparece, isto é, o lado humano do fato. Mas, do lado divino, diríamos que Deus perdoou o pecado do pecador e lhe deu um novo coração.
Mas isso significa que a conversão seja inteiramente uma questão de esforço humano? Como a fé e o arrependimento estão inclusos na conversão, a conversão é uma atividade humana; mas ao mesmo tempo é um efeito sobrenatural sendo ela a reação por parte do homem ante o poder atrativo da graça de Deus e da sua Palavra. Portanto, a conversão é o resultado da cooperação das atividades divinas e humanas. "Assim também operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar segundo a sua boa vontade" (Fil. 2:12,13). As seguintes passagens referem-se ao lado divino da conversão: Jer. 31:18; Atos 3:26. E estas outras referem-se ao lado humano: Atos 3:19; 11:18; Ezeq. 33:11.
Qual se opera primeiro, a regeneração ou a conversão? As operações que envolvem a conversão são profundas e de caráter misterioso; por conseguinte, não as analisaremos com precisão matemática. O teólogo Dr. Strong conta o caso de um candidato à ordenação a quem fizeram a pergunta acima. Ele respondeu: "Regeneração e conversão são como a bala do canhão e o furo do cano do canhão — ambos atravessam o cano juntos."

II. A Justificação

1. Natureza da justificação: absolvição divina.

A palavra "justificar" é termo judicial que significa absolver, declarar justo, ou pronunciar sentença de aceitação. A ilustração procede das relações legais. O réu está perante Deus, o justo Juiz; mas, ao invés de receber sentença condena-tória, ele recebe a sentença de absolvição.
O substantivo "justificação" ou "justiça", significa o estado de aceitação para o qual se entra pela fé. Essa aceitação é dom gratuito da parte de Deus, posto à nossa disposição pela fé em Cristo. (Rom. 1:17; 3:21,22.) É o estado de aceitação no qual o crente permanece (Rom. 5:2). Apesar de seu passado pecaminoso e de imperfeições no presente, o crente goza de completa e segura posição para com Deus. "Justificado" é o veredito divino e ninguém o poderá contradizer. (Rom. 8:34.) Essa doutrina assim se define: "Justificação é um ato da livre graça de Deus pelo qual ele perdoa todos os nossos pecados e nos aceita como justos aos seus olhos somente por nos ser imputada a justiça de Cristo, que se recebe pela fé."
Justificação é primeiramente uma mudança de posição da parte do pecador, o qual antes era um condenado; agora, porém, goza de absolvição. Antes estava sob a condenação, mas agora participa da divina aprovação.
Justificação inclui mais do que perdão dos pecados e remoção da condenação, pois no ato da justificação Deus coloca o ofensor na posição de justo. O presidente da República pode perdoar o criminoso, mas não pode reintegrá-lo na posição daquele que nunca desrespeitou as leis. Mas a Deus é possível efetuar ambas as coisas! Ele apaga o passado, os pecados e ofensas, e, em seguida, trata o ofensor como se nunca tivesse cometido um pecado sequer! O criminoso perdoado não é considerado ou descrito como bom ou justo; mas Deus, ao perdoar o pecador, o declara justificado, isto é, justo aos olhos divinos. Juiz algum poderia justificar o criminoso, isto é, declará-lo homem justo e bom. Se Deus estivesse sujeito às mesmas limitações e justificasse somente gente boa, então não haveria evangelho nenhum a ser anunciado aos pecadores. Paulo nos assegura que Deus justifica o ímpio. "O milagre do Evangelho é que Deus se aproxima dos ímpios, com uma misericórdia absolutamente justa e os capacita pela fé, a despeito do que são, a entrarem em nova relação com ele, relação pela qual é possível que se tomem bons. O segredo do Cristianismo do Novo Testamento, e de todos os avivamentos e reformas da igreja, é justamente este maravilhoso paradoxo: "Deus justifica o ímpio!"
Assim vemos que justificação é primeiramente subtração — o cancelamento dos pecados; segundo, adição — imputação de justiça.

2. Necessidade da Justificação: a condenação do homem.

"Como se justificará o homem para com Deus?" perguntou Jó (9:1). "Que é necessário que eu faça para me salvar?" interrogou o carcereiro de Filipos. Ambos expressaram a maior de todas as perguntas: Como pode o homem acertar sua vida perante Deus e ter certeza da aprovação divina?
A resposta a essa interrogação encontra-se no Novo Testamento, especialmente na epístola aos Romanos, na qual se apresenta, em forma sistemática e detalhada, o plano da salvação. O tema do livro encontra-se no capítulo 1:16,17, o qual se pode parafrasear da seguinte maneira: O evangelho é o poder de Deus para a salvação dos homens, pois o evangelho revela aos homens como se pode mudar de posição e de condição, de maneira que eles sejam justos perante Deus.
Uma das frases proeminentes da mesma epístola é: "A justiça de Deus." O inspirado apóstolo descreve a qualidade de justiça que Deus aceita, de forma que o homem que a possui tenha aceitação como justo perante ele. Essa justiça resulta da fé em Cristo. Paulo demonstra que todos os homens necessitam dessa justiça de Deus, porque toda a raça pecou. Os gentios estão sob condenação. Os passos de sua degradação foram claros: outrora conheceram a Deus (1:19,20); falhando em o servirem e adorarem, seu coração insensato se obscureceu (1:21,22); a cegueira espiritual os conduziu à idolatria (verso 23) e a idolatria os conduziu à corrupção moral (vers. 24-31). São indesculpáveis porque tinham a revelação de Deus na natureza, e a consciência que aprova ou desaprova seus atos. (Rom. 1:19,20; 2:14,15.) O judeu também está sob condenação. É verdade que ele pertence à nação escolhida, e conhece a lei de Moisés de há muitos séculos, mas transgrediu essa lei em pensamentos, atos e palavras (cap. 2). Paulo, assim, estrondosamente, encerra toda a raça humana sob a condenação: "Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus. Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado" (Rom. 3:19,20).
Qual será essa "justiça" de que tanto necessita o homem? A própria palavra significa "retidão", ou estado de reto, ou justo. A palavra às vezes descreve o caráter de Deus, como sendo isento de toda imperfeição ou injustiça. Quando aplicada ao homem, significa o estado de retidão diante de Deus. Retidão significa "reto", aquilo que se conforma a um padrão ou norma. Por conseguinte, é o homem que se conforma à lei divina. Mas que acontecerá se esse homem descobrir que, em vez de ser "reto", ele é perverso (literalmente "torto") sem poder se endireitar? É então que ele precisa da justificação — que é obra exclusiva de Deus.
Paulo declarou que pelas obras da lei ninguém será justificado. Essa declaração não é uma crítica contra a lei, a qual é santa e perfeita. Significa simplesmente que a lei não foi dada com esse propósito de fazer justo o povo, e, sim, de suprir a necessidade duma norma de justiça. A lei pode ser comparada a uma fita métrica que pode medir o comprimento do pano, sem, contudo, aumentar o comprimento. Podemos compará-la à balança que determina o nosso peso, sem, contudo, aumentar esse peso. "Pela lei vem o conhecimento do pecado."
"Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus" (Rom. 3:21). Notem a palavra "agora". Alguém disse que Paulo dividiu todo o tempo em "agora" e "depois". Em outras palavras, a vinda de Cristo operou uma grande mudança nas transações de Deus com os homens. Introduziu uma nova dispensação. Durante séculos os homens pecavam e aprendiam a impossibilidade de aniquilarem ou vencerem seus pecados. Mas agora Deus, clara e abertamente, revelou-lhes um novo caminho.
Muitos israelitas julgavam que devia haver um meio de serem justificados sem ser pela guarda da lei; por duas razões: 1) perceberam um grande abismo entre as exigências de Deus para com Israel e seu verdadeiro estado espiritual. Israel era injusto, e a salvação não podia proceder dos próprios méritos ou esforços. A salvação teria que proceder de Deus, por sua intervenção. 2) Muitos israelitas reconheceram por experiência própria sua incapacidade para guardar perfeitamente a lei. Chegaram à conclusão de que devia haver uma justiça alcançável independentemente de suas próprias obras e esforços. Em outras palavras,-anelavam por redenção e graça. E Deus lhes assegurou que tal justiça lhes seria revelada. Paulo (Rom. 3:21) fala da justiça de Deus sem a lei, "tendo o testemunho da lei (Gên. 3:15; 12:3; Gál. 3:6-8) e dos profetas (Jer. 23:6; 31:31-34)". Essa justiça incluía tanto o perdão dos pecados como a justiça íntima do coração.
Na verdade, Paulo afirma que a justificação pela fé foi o plano original de Deus para a salvação dos homens; a lei foi acrescentada para disciplinar os israelitas e fazê-los sentir a necessidade de redenção. (Gál. 3:19-26.) Mas a lei em si não possuía poder para salvar, como o termômetro não tem poder para baixar a febre que ele registra. Seria o próprio Senhor, o Salvador do seu povo; e sua graça seria a sua única esperança.
Infelizmente, os judeus exaltaram a lei, imaginando que ela fosse um agente justificador, e elaboraram um plano de salvação baseado no mérito pela guarda dos seus preceitos e das tradições que lhes foram acrescentadas. "Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus, e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus" (Rom. 10:3). Não conheceram o propósito da lei. Confiaram nela como meio de salvação espiritual, ignorando a pecabilidade dos seus próprios corações, e imaginavam que seriam salvos pela guarda da letra da lei. Por essa razão, quando Cristo veio, oferecendo-lhes a salvação dos seus pecados, pensavam que não precisavam dum Messias como ele. (vide João 8:32-34.) O pensamento dos judeus era o de estabelecer rígidos requisitos pelos quais conseguiriam a vida eterna. "Que faremos para executarmos as obras de Deus?" perguntaram. E não se prontificaram a obedecer à indicação de Jesus: "A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou" (João 6:28,29). Tão ocupados estavam em estabelecer seu próprio sistema de justiça, que perderam, por completo, a oportunidade de serem participantes da justificação divinamente provida para os homens pecadores. Na viagem, um trem representa o meio de conseguir um determinado alvo. Ninguém pensa em fazer do trem sua morada; antes, preocupa-se tão somente em chegar ao destino. Ao chegar a esse destino, deixa-se o trem. A lei foi dada a Israel com o propósito de conduzi-lo a um destino, e esse destino é a fé na graça salvadora de Deus. Mas, ao aparecer o Redentor, os judeus satisfeitos consigo mesmos, fizeram o papel do viajante que, chegando ao destino, se recusa a deixar o trem, embora o condutor lhe diga: "Estamos no fim da viagem"! Os judeus se recusaram a deixar as poltronas do "trem do Antigo Pacto", muito embora o Novo Testamento lhes assegurasse: "O fim da lei é Cristo", e que se cumpriu o Antigo Testamento. (Rom. 10:4.)

3. A fonte da justificação: a graça.

Graça significa, primeiramente, favor, ou a disposição bondosa da parte de Deus. Alguém a definiu como a "bondade genuína e favor não recompensados", ou "favor não merecido". Dessa forma a graça nunca incorre em dívida. O que Deus concede, concede-o como favor; nunca podemos recompensá-lo ou pagar-lhe. A salvação é sempre apresentada como dom, um favor não merecido, impossível de ser recompensado; é um benefício legítimo de Deus. (Rom. 6:23) O serviço cristão portanto, não é pagamento pela graça de Deus; serviço cristão é um meio que o crente aproveita para expressar sua devoção e amor a Deus. "Nós o amamos porque ele primeiramente nos amou."
A graça é transação de Deus com o homem, absolutamente independente da questão de merecer ou não merecer. "Graça não é tratar a pessoa como merece, nem tratá-la melhor do que merece", escreveu L. S. Chafer. "E tratá-la graciosamente sem a mínima referência aos seus méritos. Graça é amor infinito expressando-se em bondade infinita."
Devemos evitar certo mal-entendido. Graça não significa que Deus é de coração tão magnânimo que abranda a penalidade ou desiste dum justo juízo.
Sendo Deus o Soberano perfeito do universo, ele não pode tratar indulgentemente o assunto do pecado pois isso depreciaria sua perfeita santidade e justiça. A graça de Deus aos pecadores revela-se no fato de que ele mesmo pela expiação de Cristo, pagou toda a pena do pecado. Por conseguinte, ele pode justamente perdoar o pecado sem levar em conta os merecimentos ou não merecimentos. Os pecadores são perdoados, não porque Deus seja benigno para desculpar os pecados deles, mas porque existe redenção mediante o sangue de Cristo. (Rom. 3:24; Efés. 1:6.) Os pregadores modernistas erram nesse ponto; pensam que Deus por sua benignidade perdoa os pecados; entretanto, seu perdão baseia-se na mais rigorosa justiça. Ao perdoar o pecado, "Ele é fiel e justo" (1 João 1:9). A graça de Deus revela-se no fato de haver ele provido uma expiação pela qual pode ser justo e justificador e, ao mesmo tempo, manter sua santa e imutável lei. A graça manifesta-se independente das obras ou atividades dos homens. Quando a pessoa está sob a lei, não pode estar sob a graça; e quando está sob a graça, não pode estar sob a lei. Está "sob a lei" quando tenta assegurar a sua salvação ou santificação como recompensa, por fazer boas obras ou observar certas cerimônias. Essa pessoa está "sob a graça" quando assegura para si a salvação por confiar na obra que Deus fez por ela, e não na obra que ela faz para Deus. As duas esferas são mutuamente exclusivas. (Gál. 5:4.) A lei diz: "paga tudo"; mas a graça diz: "Tudo está pago." A lei representa uma obra a fazer; a graça é uma obra consumada. A lei restringe as ações; a graça transforma a natureza. A lei condena; a graça justifica. Sob a lei a pessoa é servo assalariado; sob a graça é filho em gozo de herança ilimitada.
Enraizada no coração humano está a idéia de que o homem deve algo para tornar-se merecedor da salvação. Na igreja primitiva certos instrutores judaico-cristãos insistiam em que os convertidos fossem salvos pela fé e a observância da Lei de Moisés. Entre os pagãos, e em alguns setores da igreja cristã, esse erro tem tomado a forma de auto-castigo, observância de ritos, peregrinações, e esmolas. A idéia substancial de todos esses esforços é a seguinte: Deus não é bondoso; o homem não é justo; por conseguinte, o homem precisa fazer-se justo a fim de tornar Deus benigno. Esse foi o erro de Lutero, quando, mediante automortificações, envidava esforços para efetuar a sua própria salvação. "Oh quando será que você se tornará piedoso a ponto de ter um Deus benigno?" exclamou certa vez, referindo-se a si próprio. Finalmente Lutero descobriu a grande verdade básica do evangelho: Deus é bondoso; portanto deseja fazer justo o homem. A graça do amoroso Pai, revelada na morte expiatória de Cristo é um dos elementos que distinguem o Cristianismo das demais religiões.
Salvação é a justiça de Deus imputada ao pecador; não é a justiça imperfeita do homem. Salvação é divina reconciliação; não é regulamento humano. Salvação é o cancelamento de todos os pecados; não é eliminar alguns pecados. Salvação é ser libertado da lei e estar morto para a lei; não é ter prazer na lei ou obedecer á lei. Salvação é regeneração divina; não é reforma humana. Salvação é ser aceitável a Deus; não é tornar-se excepcionalmente bom. Salvação é perfeição em Cristo; não é competência de caráter. A salvação, sempre e somente, procede de Deus; nunca procede do homem. — Lewis Sperry Chofer. Usa-se, às vezes, a palavra "graça", no sentido íntimo, para indicar a operação da influência divina (Efés. 4:7) e seus efeitos (Atos 4:33; 11:23; Tia. 4:6; 2 Cor. 12:9). As operações desse aspecto da graça têm sido classificadas da seguinte maneira: Graça proveniente (literalmente, "que vem antes") é a influência divina que precede a conversão da pessoa, influências que produzem o desejo de voltar para Deus. É o efeito do favor divino em atrair os homens (João 6:44) e convencer os desobedientes. (Atos 7:51.) Essa graça, às vezes, é denominada eficiente, tornando-se eficaz em produzir a conversão, quando não encontra resistência. (João 5:40; Atos 7:51; 13:46.) A graça efetiva capacita os homens a viverem justamente, a resistirem à tentação, e a cumprirem o seu dever. Por isso pedimos graça ao Senhor para cumprir uma determinada tarefa. A graça habitual é o efeito da morada do Espírito Santo que resulta em uma vida plena do fruto do Espírito (Gál. 5:22,23).

4. Fundamento da justificação: a justiça de Cristo.

Como pode Deus tratar o pecador como pessoa justa? Resposta: Deus lhe provê a justiça. Mas será que isso é apenas conceder o título de "bom" e "justo" a quem não o merece? Resposta: O Senhor Jesus Cristo ganhou o título a favor do pecador, o qual é declarado justo "mediante a redenção que há em Cristo Jesus". Redenção significa completa libertação por preço pago.
Cristo ganhou essa justiça por nós, por sua morte expiatória, como está escrito: "Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue." Propiciação é aquilo que assegura o favor de Deus para com os que não o merecem. Cristo morreu por nós para nos salvar da justa ira de Deus e nos assegurar o seu favor. A morte e a ressurreição de Cristo representam a provisão externa para a salvação do homem, referindo-se o termo justificação à maneira pela qual os benefícios salvadores da morte de Cristo são postos à disposição do pecador. Fé é o meio pelo qual o pecador lança mão desses benefícios.
Consideremos a necessidade de justiça. Como o corpo necessita de roupa, assim a alma necessita de caráter. Assim como é necessário apresentar-se em público decentemente vestido, assim é necessário que o homem se vista da roupa dum caráter perfeitamente justo para apresentar-se diante de Deus. (Vide Apo. 19:8; 3:4; 7:13,14.) As vestes do pecado estão sujas e rasgadas (Zac. 3:1-4); se o pecador se vestisse de sua própria bondade e seus próprios méritos, alegando serem boas as suas obras, elas seriam consideradas como "trapos de imundícia". (Isa. 64:6.) A única esperança do homem é adquirir a justiça que Deus aceita — a "justiça de Deus". Visto que o homem por natureza está destituído dessa justiça, terá que ser provida para ele essa justiça; terá que ser uma justiça que lhe seja imputada, não merecida.
Essa justiça foi comprada pela morte expiatória de Cristo. (Isa. 53:5,11; 2 Cor. 5:21; Rom. 4:6; 5:18,19.) Sua morte foi um ato perfeito de justiça, porque satisfez a lei de Deus. Foi também um ato perfeito de obediência. Tudo isso foi feito por nós e posto a nosso crédito. "Deus nos aceita como justos aos seus olhos somente por nos ter sido imputada a justiça de Cristo", afirma determinada declaração doutrinária.
O ato pelo qual Deus credita essa justiça à nossa conta chama-se imputação. Imputação é levar à conta de alguém as conseqüências do ato de outrem. As conseqüências do pecado do homem foram levadas à conta de Cristo, e as conseqüências da obediência de Cristo foram levadas à conta do crente. Ele vestiu-se das vestes do pecado para que nós pudéssemos nos vestir do seu "manto de justiça". "Cristo... para nós foi feito por Deus... justiça" (1Cor. 1:30). Ele torna-se "O Senhor Justiça Nossa" (Jer. 23:6).
Cristo expiou nossa culpa, satisfez a lei, tanto por obediência como por sofrimento, e tornou-se nosso substituto, de maneira que, estando unidos com ele pela fé, sua morte toma-se nossa morte, e sua obediência toma-se nossa obediência. Deus então nos aceita, não por qualquer bondade própria que nós tenhamos, nem pelas coisas imperfeitas que são as nossas "obras" (Rom. 3:28; Gál. 2:16), nem por nossos méritos, mas porque nos foi creditada a perfeita e toda-suficiente justiça de Cristo. Por causa de Cristo, Deus trata o homem culpado, quando este se arrepende e crê, como se fosse justo. Os méritos de Cristo são creditados a ele.
Também surgem as seguintes perguntas na mente da pessoa que investiga: sim, a justificação que salva é algo externo e concernente à posição legal do pecador; mas não haverá mudança alguma na condição moral? Afeta a sua situação, mas não afetará sua conduta? A justiça é imputada somente e não concedida de modo prático? Na justificação Cristo somente será por nós, ou agirá também em nós? Em outras palavras, parece que a imputação da justiça desonraria a lei se não incluísse a certeza de justiça futura.
A resposta é que a fé que justifica é o ato inicial da vida cristã e esse ato inicial, quando a fé for viva, é seguido por uma transformação interna conhecida como regeneração. A fé une o crente com o Cristo vivo; essa união com o Autor da vida resulta em transformação do coração. "Se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo" (2 Cor. 5:17). A justiça é imputada no ato da justificação e é comunicada na regeneração. O Cristo que é por nós torna-se o Cristo em nós.
A fé pela qual a pessoa é realmente justificada, necessariamente tem que ser uma fé viva. Uma fé viva produzirá uma vida reta; será uma fé que "opera pelo amor" (Gál. 5:6). Outrossim, vestindo a justiça de Cristo, o crente é exortado a viver uma vida em conformidade com o caráter de Cristo. "Porque o linho fino são as justiças dos santos" (literalmente os atos de justiça) (Apoc. 19:8). A verdadeira salvação requer uma vida de santidade prática. Que julgamento faríamos da pessoa que sempre se vestisse de roupa imaculada mas nunca lavasse o corpo? Incoerente, diríamos! Mas não menos incoerente é a pessoa que alega estar vestida da justiça de Cristo, e, ao mesmo tempo, vive de modo indigno do evangelho. Aqueles que se vestem da justiça de Cristo terão cuidado de purificar-se do mesmo modo como ele é puro. (1 João 3:3.)

5. Os meios da justificação: a fé.

Visto que a lei não pode justificá-lo, a única esperança do homem é receber "justiça sem lei" (isto, entretanto, não significa injustiça ilegal, nem tampouco religião que permita o pecado; significa sim, uma mudança de posição e condição). Essa é a "justiça de Deus", isto é, a justiça que Deus concede, sendo também um dom, pois o homem é incapaz de operar a justiça. (Efés. 2:8-10.)
Mas um dom tem que ser aceito. Como, então, será aceito o dom da justiça? Ou, usando a linguagem teológica: qual é o instrumento que se apropria da justiça de Cristo? A resposta é: "pela fé em Jesus Cristo." A fé é a mão, por assim dizer, que recebe o que Deus oferece. Que essa fé é a causa instrumental da justificação prova-se pelas seguintes referências: Rom. 3:22; 4: 11; 9:30; Heb. 11:7; Fil. 3:9.
Os méritos de Cristo são comunicados e seu interesse salvador é assegurado por certos meios. Esses meios necessariamente são estabelecidos por Deus e somente ele os distribui. Esses meios são a fé — o princípio único que a graça de Deus usa para restaurar-nos à sua imagem e ao seu favor. Nascida, como é, no pecado, herdeira da miséria, a alma carece duma transformação radical, tanto por dentro como por fora; tanto diante de Deus como diante de si própria. A transformação diante de Deus denomina-se justificação; a transformação interna espiritual que se segue, chama-se regeneração pelo Espírito Santo. Esta fé é despertada no homem pela influência do Espírito Santo, geralmente em
conexão com a Palavra. A fé lança mão da promessa divina e apropria-se da salvação. Ela conduz a alma ao descanso em Cristo como Salvador e Sacrifício pelos pecados; concede paz à consciência e dá esperança consoladora do céu. Sendo essa fé viva e de natureza espiritual, e cheia de gratidão para com Cristo, ela é rica em boas obras de toda espécie.
"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie" (Efés. 2:8,9). O homem nenhuma coisa possuía com que comprar sua justificação. Deus não podia condescender em aceitar o que o homem oferecia; o homem também não tinha capacidade para cumprir a exigência divina. Então Deus graciosamente salvou o homem, sem pagar este coisa alguma —"gratuitamente pela sua graça" (Rom. 3:24). Essa graça gratuita é recebida pela fé. Não existe mérito nessa fé, como não cabem elogios ao mendigo que estende a mão para receber uma esmola. Esse método fere a dignidade do homem, mas perante Deus, o homem decaído não tem mais dignidade; o homem não tem possibilidades de acumular bondade suficiente para adquirir a sua salvação. "Nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei" (Rom. 3:20).
A doutrina da justificação pela graça de Deus, mediante a fé do homem, remove dois perigos: primeiro, o orgulho de autojustiça e de auto-esforço; segundo, o medo de que a pessoa seja fraca demais para conseguir a salvação.
Se a fé em si não é meritória, representando apenas a mão que se estende para receber a livre graça de Deus, que é então que lhe dá poder, e que garantia oferece ela à pessoa que recebeu esse dom gratuito, de que viverá uma vida de justiça? Importante e poderosa é a fé porque ela une a alma a Cristo, e é justamente nessa união que se descobre o motivo e o poder para a vida de justiça. "Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo"(Gál. 3:27). "E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências" (Gál. 5:24).
A fé não só recebe passivamente mas também usa de modo ativo aquilo que Deus concede. É assunto próprio do coração (Rom. 10:9,10; vide Mat. 15:19; Prov. 4:23), e quem crê com o coração, crê também com suas emoções, afeições e seus desejos, ao aceitar a oferta divina da salvação. Pela fé, Cristo mora no coração (Efés. 3:17). A fé opera pelo amor (a "obra da fé"... 1Tess. 1:3), isto é, representa um princípio enérgico, bem como uma atitude receptiva. A fé, por conseguinte, é poderoso motivo para a obediência e para todas as boas obras. A fé envolve a vontade e está ligada a todas as boas escolhas e ações, pois "tudo que não é de fé é pecado" (Rom. 14:23).Ela inclui a escolha e a busca da verdade (2 Tess. 2:12) e implica sujeição à justiça de Deus (Rom. 10:3).
O que se segue representa o ensino bíblico concernente à relação entre fé e obras. A fé se opõe às obras quando por obras entendemos boas obras que a pessoa faz com o intuito de merecer a salvação. (Gál. 3:11.) Entretanto, uma fé viva produzirá obras (Tia. 2:26), tal qual uma árvore viva produzirá frutos. A fé é justificada e aprovada pelas obras (Tia. 2:18), assim como o estado de saúde das raízes duma boa árvore é indicado pelos frutos. A fé se aperfeiçoa pelas obras (Tia. 2:22), assim como a flor se completa ao desabrochar. Em breves palavras, as obras são o resultado da fé, a prova da fé, e a consumação da fé.
Imagina-se que haja contradição entre os ensinos de Paulo e de Tiago. O primeiro, aparentemente, teria ensinado que a pessoa é justificada pela fé, o último que ela é justificada pelas obras. (Vide Rom. 3:20 e Tia. 2:14-16.) Contudo, uma compreensão do sentido em que eles empregaram os termos, rapidamente fará desvanecer a suposta dificuldade. Paulo está recomendando uma fé viva que confia somente no Senhor; Tiago está denunciado uma fé morta e formal que representa, apenas, um consentimento mental. Paulo está rejeitando as obras mortas da lei, ou obras sem fé; Tiago está louvando as obras vivas que demonstram a vitalidade da fé. A justificação mencionada por Paulo refere-se ao início da vida cristã; Tiago usa a palavra com o significado de vida de obediência e santidade como evidência exterior da salvação. Paulo está combatendo o legalismo, ou a confiança nas obras como meio de salvação; Tiago está combatendo antinomianismo, ou seja, o ensino de que não importa qual seja a conduta da pessoa, uma vez que creia. Paulo e Tiago não são soldados lutando entre si; são soldados da mesma linha de combate, cada qual enfrentando inimigos que os atacam de direções opostas.

III. A Regeneração

1. Natureza da regeneração.

A regeneração é o ato divino que concede ao penitente que crê uma vida nova e mais elevada mediante união pessoal com Cristo. O Novo Testamento assim descreve a regeneração:

(a) Nascimento. Deus o pai é quem "gerou", e o crente é "nascido" de Deus (1 João 5:1), "nascido do Espírito" (João 3:8), "nascido do alto" (tradução literal de João 3:3,7). Esses termos referem-se ao ato da graça criadora que faz do crente um filho de Deus.

(b) Purificação. Deus nos salvou pela "lavagem" (literalmente, lavatório ou banho) da regeneração". (Tito 3:5.) A alma foi lavada completamente das imundícias da vida de outrora, recebendo novidade de vida, experiência simbolicamente expressa no ato de batismo. (Atos

(c) Vivificação. Somos salvos não somente pela "lavagem da regeneração", nas também pela "renovação do Espírito Santo" (Tito 3:5. Vide também Col. 3:10; Rom. 12:2; Efés. 4:23; Sal. 51:10). A essência da regeneração é uma nova vida concedida por Deus Pai, mediante Jesus Cristo e pela operação do Espírito Santo.

(d) Criação. Aquele que criou o homem no princípio e soprou em suas narinas o fôlego de vida, o recria pela operação do seu Espírito Santo. (2 Cor. 5:17;Efés. 2:10; Gál. 6:15; Efés. 4:24; vide Gên. 2:7.) O resultado prático é uma transformação radical da pessoa em sua natureza, seu caráter, desejos e propósitos.

(e) Ressurreição. (Rom. 6:4,5; Col. 2:13; 3:1; Efés. 2:5, 6.) Como Deus vivificou o barro inanimado e o fez vivo para com o mundo físico, assim ele vivifica a alma em seus pecados e a faz viva para as realidades do mundo espiritual. Esse ato de ressurreição espiritual é simbolizado pelo batismo nas águas. A regeneração é "a grande mudança que Deus opera na alma quando a vivifica; quando ele a levanta da morte do pecado para a vida de justiça" (João Wesley).
Notar-se-á que os termos acima citados são apenas variantes de um grande pensamento básico da regeneração, isto é, uma divina comunicação duma nova vida à alma do homem. Três fatos científicos relativos à vida natural também se aplicam à vida espiritual; isto é, ela surge repentinamente; aparece misteriosamente, e desenvolve-se gradativamente.
Regeneração é o aspecto singular da religião do Novo Testamento. Nas religiões pagãs, reconhece-se universalmente a permanência do caráter. Embora essas religiões recomendem penitências e ritos, pelos quais a pessoa espera expiar os seus pecados, não há promessa de vida e de graça para transformar a sua natureza. A religião de Jesus Cristo é "a única religião no mundo que declara tomar a natureza decaída do homem e regenerá-la, colocando-a em contacto com a vida de Deus". Assim declara fazer, porque o Fundador do Cristianismo é Pessoa Viva e Divina, que vive para salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus. (Heb. 7:25.) Não existe nenhuma analogia entre a religião cristã, e, digamos, o Budismo ou a religião maometana. De maneira nenhuma se pode dizer: "quem tem Buda tem a vida". (Vide 1João 5:12.) Buda pode ter algo em relação à moralidade. Pode estimular, causar impressão, ensinar, e guiar, mas nenhum elemento novo foi acrescido às almas que professam o Budismo. Tais religiões podem ser produtos do homem natural e moral. Mas o Cristianismo declara-se ser muito mais. Além das coisas de ordem natural e moral, o homem desfruta algo mais na Pessoa de Alguém mais, Jesus Cristo.

2. Necessidade da regeneração.

A entrevista de nosso Senhor com Nicodemos (João 3) proporciona um excelente fundo histórico para o estudo deste tópico. As primeiras palavras de Nicodemos revelam uma série de emoções provenientes do seu coração. A declaração abrupta de Jesus no verso 3, que parece ser uma repentina mudança do assunto, explica-se pelo fato de Jesus estar respondendo ao coração de Nicodemos e não às palavras de sua interrogação. As primeiras palavras de Nicodemos revelam. 1) Fome espiritual. Se esse chefe judaico tivesse expressado o desejo de sua alma, talvez teria dito: "Estou cansado do ritualismo morto da sinagoga vou lá mas volto para casa com a mesma fome com que saí. Infelizmente, a glória divina afastou-se de Israel; não há visão e o povo perece. Mestre, a minh'alma suspira pela realidade! Pouco conheço de tua pessoa, mas tuas palavras tocaram-me o coração. Teus milagres convenceram-me de que és Mestre vindo de Deus. Gostaria de te acompanhar. 2) Faltou a Nicodemos profunda convicção. Sentiu a sua necessidade, mas necessidade dum instrutor e não dum Salvador. Tal qual a mulher samaritana, ele queria a água da vida (João 4:15), mas, como aquela, Nicodemos teve de compreender que era pecador, que precisava de purificação e transformação. (João 4:16-18.) 3) Nota-se nas suas palavras um rasto de autocomplacência, coisa muito natural num homem de sua idade e posição. Ele diria a Jesus: "Creio que foste enviado a restaurar o reino de Israel, e vim dar-te alguns conselhos quanto aos planos para conseguir esse objetivo." Provavelmente ele supôs que sendo israelita e filho de Abraão, essas qualificações seriam suficientes para o tornarem membro do reino de Deus.
"Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus." Parafraseando essa passagem, Jesus diria: "Nicodemos, tu não podes unir-te à minha companhia como se te unisses a uma organização. O pertencer à minha companhia não depende da qualidade de tua vida; minha causa não é outra senão aquela do reino de Deus, e tu não podes entrar nesse reino sem experimentar uma transformação espiritual. O reino de Deus é muito diferente do que estás pensando, e o modo de estabelecê-lo e de juntar seus súditos é muito diferente do meio de que estás cogitando."
Jesus apontou a necessidade mais profunda e universal de todos os homens — uma mudança radical e completa da natureza e caráter do homem em sua totalidade. Toda a natureza do homem ficou deformada pelo pecado, a herança da queda; essa deformação moral reflete-se em sua conduta e em todas as suas relações. Antes que o homem possa ter uma vida que agrade a Deus, seja no presente ou na eternidade, sua natureza precisa passar por uma transformação tão radical, que seja realmente um segundo nascimento. O homem não pode transformar-se a si mesmo; essa transformação terá que vir de cima.
Jesus não tentou explicar o como do novo nascimento, mas explicou opor quê do assunto. "O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido de Espírito é espírito." Carne e espírito pertencem a reinos diferentes, e um não pode produzir o outro. A natureza humana pode gerar a natureza humana, mas somente o Espírito Santo pode gerar a natureza espiritual. A natureza humana somente pode produzir a natureza humana; e nenhuma criatura poderá elevar-se acima de sua própria natureza. A vida espiritual não passa do pai ao filho pela geração natural; ela procede de Deus para o homem por meio da geração espiritual.
A natureza humana não pode elevar-se acima de si própria. Escreveu Marcus Dods:

 Todas as criaturas possuem certa natureza segundo a sua espécie, determinada pela sua ascendência. Essa natureza que o animal recebe dos seus pais determina, desde o princípio, a sua capacidade e a esfera desse animal. A toupeira não pode subir aos ares como o faz a águia; nem tampouco pode o filhote da águia cavar um buraco como afaz toupeira. Nenhum treino jamais fará a tartaruga correr como o antílope, nem fará o antílope tão forte como o leão... Além de sua natureza, nenhum animal poderá agir.

O mesmo princípio podemos aplicar ao homem. O destino mais elevado do homem é viver com Deus para sempre; mas a natureza humana, em seu estado presente, não possui a capacidade para viver no reino celestial. Portanto, será necessário que a vida celestial desça de cima para transformar a natureza humana, preparando-a para ser membro desse reino.

3. Os meios de regeneração.

(a) Agência divina. O Espírito Santo é o agente especial na obra de regeneração. Ele opera a transformação na pessoa. (João 3:6; Tito 3:5.) Contudo, todas as Pessoas da Trindade operam nessa obra. Realmente as três Pessoas operam em todas as divinas operações, embora cada Pessoa exerça certos ofícios que lhe são peculiares. Dessa forma o Pai é preeminentemente o Criador; contudo, tanto o Filho como o Espírito Santo são mencionados como agentes na criação. O Pai gera (Tia. 1:18) e no Evangelho de João, o Filho é apresentado como o Doador da vida. (Vide caps. 5 e 6.)
Notem especialmente a relação de Cristo com a regeneração do homem. É ele o Doador da vida. De que maneira ele vivifica os homens? Vivifica-os por morrer por eles, de forma que, ao comerem sua carne e beberem seu sangue (que significa crer em sua morte expiatória), eles recebem a vida eterna. Qual é o processo de conceder a vida aos homens? Uma parte da recompensa de Cristo era a prerrogativa de conceder o Espírito Santo (Vide João 3:3,13; Gál.3:13,14), e ele ascendeu para que pudesse tomar-se a Fonte da vida e energia espiritual (João 6:62; Atos 2:33). O Pai tem vida em si (João 5:26); portanto, ele concede ao Filho ter vida em si; o Pai é a Fonte do Espírito Santo, mas ele concede ao Filho o poder de conceder o Espírito; desta forma o Filho é um "Espírito vivificante" (1 Cor. 15:45), tendo poder, não somente para ressuscitar os mortos, fisicamente, (João 5:25,26) mas também vivificar as almas mortas dos homens. (Vide Gên 2:7; João 20:22; 1 Cor. 15:45.)

(b) A preparação humana. Estritamente falando, o homem não pode cooperar no ato de regeneração, que é um ato soberano de Deus; mas o homem pode tomar parte na preparação para o novo nascimento. Qual é essa preparação? Resposta: Arrependimento e fé.

4. Efeitos da regeneração.

Podemos agrupá-los sob três tópicos: posicionais (adoção); espirituais (união com Deus); práticos (a vida de justiça).
(a) Posicionais. Quando a pessoa passa pela transformação espiritual conhecida como regeneração, torna-se filho de Deus e beneficiário de todos os privilégios dessa filiação. Assim escreve o Dr. William Evans: "Pela adoção, o crente, que já é filho de Deus, recebe o lugar de filho adulto; dessa forma o menino torna-se filho, o filho menor torna-se adulto." (Gál. 4:1-7.) A palavra "adoção" significa literalmente: "dar a posição de filhos" e refere-se, no uso comum, ao homem que toma para seu lar crianças que não são as suas pelo nascimento.
Quanto à doutrina, devemos distinguir entre adoção e regeneração: o primeiro é um termo legal que indica conceder o privilégio de filiação a um que não é membro da família; o segundo significa a transformação espiritual que toma a pessoa filho de Deus e participante da natureza divina. Contudo, na própria experiência, é difícil separar os dois, visto que a regeneração e a adoção representam a dupla experiência da filiação.
No Novo Testamento a filiação comum é, às vezes, definida pelo termo "filhos" ("uioi"— no grego), termo que originou a palavra "adoção"; outras vezes é definida pela palavra "tekna", no grego, também traduzida por "filhos", que significa literalmente "os gerados", significando a regeneração. As duas idéias são distintas e ao mesmo tempo combinadas nas seguintes passagens: "Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (implicando adoção) de serem feitos filhos de Deus... os quais... nasceram... de Deus" (João 1:12,13). "Vede quão grande caridade nos tem concedido o Pai, que fôssemos chamados (implicando adoção) filhos de Deus (a palavra que significa "gerados" de Deus)" (1 João 3:1). Em Rom. 8: 15,16 as duas idéias se entrelaçam: "Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos Abba, Pai. O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus."

(b) Espirituais. Devido à sua natureza, a regeneração envolve união espiritual com Deus e com Cristo mediante o Espírito Santo; e essa união espiritual envolve habitação divina (2 Cor. 6:16-18; Gál. 2:20; 4:5,6; 1 João 3:24; 4:13.) Essa união resulta em um novo tipo de vida e de caráter, descrito de várias maneiras; novidade de vida (Rom. 6:4); um novo coração (Ezeq. 36:26); um novo espírito (Ezeq. 11:19); um novo homem (Efés. 4:24); participantes da natureza divina (2 Ped. 1:4). O dever do crente é manter seu contacto com Deus mediante os vários meios de graça e dessa forma preservar e nutrir a sua vida espiritual.
(c) Práticos. A pessoa nascida de Deus demonstrará esse fato pelo ódio que tem ao pecado (1 João 3:9; 5:18), por obras de justiça (1 João 2:29), pelo amor fraternal (1 João 4:7) e pela vitória que alcança sobre o mundo (1 João 5:4).
Devemos evitar estes dois extremos: primeiro, estabelecer um padrão tão baixo que a regeneração se torne questão de reforma natural; segundo, estabelecer um padrão elevado demais que não leve em conta as fraquezas dos crentes. Crentes novos que estão aprendendo a andar com Jesus estão sujeitos a tropeçar, como o bebê que aprende a andar. Mesmo os crentes mais velhos podem ser surpreendidos em alguma falta. João declara que é absolutamente inconsistente que a pessoa nascida de Deus, portadora da natureza divina, continue a viver habitualmente no pecado (1 João 3.9), mas ao mesmo tempo ele tem cuidado em escrever: "Se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo" (1 João 2:1).

IV. A Santificação

1. Natureza da santificação

Em estudo anterior afirmamos que a chave do significado da doutrina da expiação, encontrada no Novo Testamento, acha-se no rito sacrificial do Antigo Testamento. Da mesma forma chegaremos ao sentido da doutrina do Novo Testamento sobre a santificação, pelo estudo do uso no Antigo Testamento da palavra "santo".
Primeiramente, observa-se que "santificação", "santidade", e "consagração" são sinônimos, como o são: "santificados" e "santos". Santificar é a mesma coisa que fazer santo ou consagrar. A palavra "santo" tem os seguintes sentidos:

(a) Separação. "Santo" é uma palavra descritiva da natureza divina. Seu significado primordial é "separação "; portanto, a santidade representa aquilo que está em Deus que o toma separado de tudo quanto seja terreno e humano — isto é, sua perfeição moral absoluta e sua divina majestade.
Quando o Santo deseja usar uma pessoa ou um objeto para seu serviço, ele separa essa pessoa ou aquele objeto do seu uso comum, e, em virtude dessa separação, a pessoa ou o objeto toma-se "santo".

(b) Dedicação. Santificação inclui tanto a separação de, como dedicação a alguma coisa; essa é "a condição dos crentes ao serem separados do pecado e do mundo e feitos participantes da natureza divina, e consagrados à comunhão e ao serviço de Deus por meio do Mediador".
A palavra "santo" é mais usada em conexão com o culto. Quando referente aos homens ou objetos, ela expressa o pensamento de que esses são usados no serviço divino e dedicados a Deus, no sentido especial de serem sua propriedade. Israel é uma nação santa, por ser dedicada ao serviço de Jeová; os levitas são santos por serem especialmente dedicados aos serviços do tabernáculo; o sábado e os dias de festa são santos porque representam a dedicação ou consagração do tempo a Deus.

(c) Purificação. Embora o sentimento primordial de "santo" seja separação para serviço, inclui também a idéia de purificação. O caráter de Jeová age sobre tudo que lhe é consagrado. Portanto, os homens consagrados a ele participam de sua natureza. As coisas que lhe são dedicadas devem ser limpas. Limpeza é uma condição de santidade, mas não a própria santidade, que é, primeiramente, separação e dedicação.
Quando Jeová escolhe e separa uma pessoa ou um objeto para o seu serviço, ele opera ou faz com que aquele objeto ou essa pessoa se torne santo. Objetos inanimados foram consagrados pela unção do azeite (Êxo. 40:9-11). A nação israelita foi santificada pelo sangue do sacrifício da aliança. (Êxo. 24:8. Vide Heb. 10:29). Os sacerdotes foram consagrados pelo representante de Jeová, Moisés, que os lavou com água, ungiu-os com azeite e aspergiu-os com o sangue de consagração. (Vide Lev., cap. 8.)
Como os sacrifícios do Velho Testamento eram tipos do sacrifício único de Cristo, assim as várias abluções e unções do sistema mosaico são tipos da verdadeira santificação que alcançamos pela obra de Cristo. Assim como Israel foi santificado pelo sangue da aliança, assim "também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue, padeceu fora da porta" (Heb. 13:12).
Jeová santificou os filhos de Arão para o sacerdócio pela mediação de Moisés e o emprego de água, azeite e sangue. Deus o Pai (1 Tess. 5:23) santifica os crentes para um sacerdócio espiritual (1 Ped. 2:5) pela mediação do Filho (I Cor. 1:2,30; Efés 5:26; Heb 2:11), por meio da Palavra (João 17:17; 15:3), do sangue (Heb. 10:29; 13:12) e do Espírito (Rom. 15:16; 1 Cor. 6:11; 1 Ped. 1:2).

(d) Consagração, no sentido de viver uma vida santa e justa. Qual a diferença entre justiça e santidade? A justiça representa a vida regenerada em conformidade com a lei divina; os filhos de Deus andam retamente ( 1 João 3:6-10). Santidade é a vida regenerada em conformidade com a natureza divina e dedicada ao serviço divino; isto pede a remoção de qualquer impureza que estorve esse serviço. "Mas como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver" (1 Ped. 1:15). Assim a santificação inclui a remoção de qualquer mancha ou sujeira que seja contrária à santidade da natureza divina.
Em seguida à consagração de Israel surge, naturalmente, a pergunta: "Como deve viver um povo santo?" A fim de responder a essa pergunta, Deus deu-lhes o código de leis de santidade que se acham no livro de Levítico. Portanto, em conseqüência da sua consagração, seguiu-se a obrigação de viver uma vida santa. O mesmo se dá com o cristão. Aqueles que são declarados santos (Heb. 10:10) são exortados a seguir a santidade (Heb. 12:14); aqueles que foram purificados (1 Cor. 6:11) são exortados a purificar-se a si mesmos (2 Cor. 7:1).

(e) Serviço. A aliança é um estado de relação entre Deus e os homens no qual ele é o Deus deles e eles o seu povo, o que significa um povo adorador. A palavra "santo" expressa essa relação contratual. Servir a Deus, nessa relação, significa ser sacerdote; por conseguinte, Israel é descrito como nação santa e reino de sacerdotes (Êxo. 19:6). Qualquer impureza que venha a desfigurar essa relação precisa ser lavada com água ou com o sangue da purificação.
Da mesma maneira os crentes do Novo Testamento são "santos", isto é, um povo santo consagrado. Pelo sangue da aliança tornaram-se "sacerdócio real, a nação santa... sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo" (1 Ped. 2:9,5); oferecem o sacrifício de louvor (Heb. 13:15) e dedicam-se como sacrifícios vivos sobre o altar de Deus (Rom. 12:1).
Assim vemos que o serviço é elemento essencial da santificação ou santidade, pois é esse o único sentido em que os homens podem pertencer a Deus, isto é, como seus adoradores que lhe prestam serviço. Paulo expressou perfeitamente esse aspecto da santidade quando disse acerca de Deus: "De quem eu sou, e a quem sirvo" (Atos 27:23). Santificação envolve ser possuído por Deus e servir a ele.

2. O tempo da santificação.

A santificação reúne: 1) idéia de posição perante Deus e instantaneidade; 2) prática e progressiva.

(a) Posicional e instantânea. A seguinte declaração representa o ensino dos que aderem à teoria de santificação da "segunda obra definida", feita por alguém que ensinou essa doutrina durante muitos anos:

Supõe-se que a justificação é obra da graça pela qual os pecadores, ao se entregarem a Cristo, são feitos justos e libertados dos hábitos pecaminosos. Mas no homem meramente justificado permanece um princípio de corrupção, uma árvore má, "uma raiz de amargura", que continuamente o provoca a pecar. Se o crente obedece a esse impulso e deliberadamente peca, ele perde sua justificação; segue-se portanto, a vantagem de ser removido esse impulso mau, para que diminua a possibilidade de se desviar. A extirpação dessa raiz pecaminosa é santificação. Portanto, é a purificação da natureza de todo pecado congênito pelo sangue de Cristo (aplicado pela fé ao realizar-se a plena consagração), e o fogo purificador do Espírito Santo, o qual queima toda a escória, quando tudo é depositado sobre o altar do sacrifício. Isso, e somente isso, é verdadeira santificação — a segunda obra definida da graça, subseqüente à justificação, e sem a qual essa justificação provavelmente se perderá.

A definição supra citada ensina que a pessoa pode ser salva ou justificada sem ser santificada. Essa teoria, porém, é contrária ao ensino do Novo Testamento.
O apóstolo Paulo escreve a todos os crentes como a "santos" (literalmente, "os santificados") e como já santificados (1 Cor. 1:2; 6:11). Mas essa carta foi escrita para corrigir esses cristãos por causa de sua carnalidade e pecados grosseiros. (1 Cor. 3:1; 5:1,2,7,8.) Eram "santos" e "santificados em Cristo", mas alguns desses estavam muito longe de ser exemplos de cristãos na conduta. Foram chamados a ser santos, mas não se portavam dignos dessa vocação santa.
Segundo o Novo Testamento existe, pois, um sentido em que a santificação é simultânea com a justificação.

(b) Prática e progressiva. Mas será que essa santificação consiste somente em ser conferida a posição de santos? Não, essa separação inicial é apenas o começo duma vida progressiva de santificação. Todos os cristãos são separados para Deus em Jesus Cristo; e dessa separação surge a nossa responsabilidade de viver para ele. Essa separação deve continuar diariamente: o crente deve esforçar-se sempre para estar conforme à imagem de Cristo. "A santificação é a obra da livre graça de Deus, pela qual o homem todo é renovado segundo a imagem de Deus, capacitando-nos a morrer para o pecado e viver para a justiça." Isso não quer dizer que vamos progredir até alcançar a santificação e, sim, que progredimos na santificação da qual já participamos.
A santificação é posicionai e prática — posicional em que é primeiramente uma mudança de posição pela qual o imundo pecador se transforma em santo adorador; prática porque exige uma maneira santa de viver. A santificação adquirida em virtude de nova posição, indica-se pelo fato de que todos os coríntios foram chamados "santificados em Cristo Jesus, chamados santos" (1 Cor. 1:2). A santificação progressiva está implícita no fato de alguns serem descritos como "carnais" (1 Cor. 3:3), o que significa que sua presente condição não estava à altura de sua posição concedida por Deus. Em razão disso, foram exortados a purificar-se e assim melhorar sua consagração até alcançarem a perfeição. Esses dois aspectos da santificação estão implícitos no fato de que aqueles que foram tratados como santificados e santos (1 Ped. 1:2; 2:5), são exortados a serem santos (1 Ped. 1:15). Aqueles que estavam mortos para o pecado (Col 3:3) são exortados a mortificar (fazer morto) seus membros pecaminosos (Col 3:5). Aqueles que se despiram do homem velho (Col. 3:9) são exortados a vestirem-se ou revestirem-se do homem novo. (Efés 4:22; Col. 3:8.)

3. Meios divinos de santificação.

São meios divinamente estabelecidos de santificação: o sangue de Cristo, o Espírito Santo e a Palavra de Deus. O primeiro proporciona, primeiramente', a santificação absoluta, quanto à posição perante Deus. É uma obra consumada que concede ao pecador penitente uma posição perfeita em relação a Deus. O segundo meio é interno, efetuando a transformação da natureza do crente. O terceiro meio é externo e prático, e diz respeito ao comportamento do crente. Dessa forma, Deus fez provisão tanto para a santificação interna como externa.

(a) O sangue de Cristo, (Eterno, absoluto e posicionai.) (Heb. 13:12; 10:10,14; 1João 1:7.) Em que sentido seria a pessoa santificada pelo sangue de Cristo? Em resultado da obra consumada de Cristo, o pecador penitente é transformado de pecador impuro em adorador santo. A santificação é o resultado dessa "maravilhosa obra redentora do Filho de Deus, ao oferecer-se no Calvário para aniquilar o pecado pelo seu sacrifício. Em virtude desse sacrifício, o crente é eternamente separado para Deus; sua consciência é purificada, e ele próprio é transformado de pecador impuro, em santo adorador, unido em comunhão com o Senhor Jesus Cristo; pois, "assim o que santifica, como os que são santificados, são todos de um; por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos" (Heb. 2:11).
Que haja um aspecto contínuo na santificação pelo sangue, infere-se de 1 João 1:7: "O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado." Se houver comunhão entre o santo Deus e o homem, necessariamente terá que haver uma provisão para remover a barreira de pecado, que impede essa comunhão, uma vez que os melhores homens ainda assim são imperfeitos. Ao receber Isaías a visão da santidade de Deus, ele ficou abatido ao perceber a sua falta de santidade; e não estava em condições de ouvir a mensagem divina enquanto a brasa do altar não purificasse seus lábios. A consciência do pecado ofusca a comunhão com Deus; confissão e fé no eterno sacrifício de Cristo removem essa barreira. (1 João 1:9.)

(b) O Espírito Santo. (Santificação Interna.) (1 Cor. 6:11; 2 Tess. 2:12; 1 Ped. 1:1,2; Rom. 15:16.) Nessas passagens a santificação pelo Espírito Santo é apresentada como o início da obra de Deus nos corações dos homens, conduzindo-os ao inteiro conhecimento da justificação pela fé no sangue aspergido de Cristo. Tal qual o Espírito pairava por cima do caos original (Gên. 1:2), seguindo-se o estabelecimento da ordem pelo Verbo de Deus, assim o Espírito paira sobre a alma humana, fazendo-a abrir-se para receber a luz e a vida de Deus. (2 Cor. 4:6.)
O capítulo 10 de Atos proporciona uma ilustração concreta da santificação pelo Espírito Santo. Durante os primeiros anos da igreja, a evangelização dos gentios retardou-se visto que muitos cristãos-judeus consideravam os gentios como "imundos", e não-santificados por causa de sua não conformidade com as leis alimentares e outros regulamentos mosaicos. Exigia-se uma visão para convencer a Pedro que aquilo que o Senhor purificara ele não devia tratar de comum ou impuro. Isso importava em dizer que Deus fizera provisão para a santificação dos gentios para serem o seu povo. E quando o Espírito de Deus desceu sobre os gentios, reunidos na casa de Cornélio, já não havia mais dúvida a respeito. Eram santificados pelo Espírito Santo, não importando se obedeciam ou não às ordenanças mosaicas (Rom. 15:16), e Pedro reptou os judeus que estavam com ele a negarem o símbolo exterior (batismo nas águas) de sua purificação espiritual. (Atos 10:47; 15:8.)

(c) A Palavra de Deus. (Santificação externa e prática.) (João 17:17, Efés 5:26; João 15:3; Sal. 119:9; Tia. 1:23-25.) Os cristãos são descritos como sendo "gerados pela Palavra de Deus"(l Ped. 1:23). A Palavra de Deus desperta os homens a compreenderem a insensatez e impiedade de suas vidas. Quando dão importância à Palavra arrependendo-se e crendo em Cristo, são purificados pela Palavra que lhes fora falada. Esse é o início da purificação que deve continuar através da vida do crente. No ato de sua consagração ao ministério, o sacerdote israelita recebia um banho sacerdotal completo, banho que nunca se repetia; era uma obra feita uma vez para sempre. Todos os dias porém, era obrigado a lavar as mãos e os pés. Da mesma maneira, o regenerado foi lavado (Tito 3:5); mas precisa uma separação diária das impurezas e imperfeições conforme lhe forem reveladas pela Palavra de Deus, que serve como espelho para a alma. (Tia. 1:22-25.) Deve lavar as mãos, isto é, seus atos devem ser retos; deve lavar os pés, isto é, "guardar-se da imundície que tão facilmente se apega aos pés do peregrino, que anda pelas estradas deste mundo".

4. Idéias errôneas sobre a santificação.

Muitos cristãos descobrem o fato de que seu maior impedimento em chegar à santidade é a "carne", a qual frustra sua marcha para a perfeição. Como se conseguirá libertação da carne? Três opiniões erradas têm sido expostas:

(a) "Erradicação" do pecado inato é uma dessas idéias. Assim escreve Lewis Sperry Chafer: "se a erradicação da natureza pecaminosa se consumasse, não haveria a morte física, pois esta é o resultado dessa natureza. (Rom. 5:12-21.) Pais que houvessem experimentado essa "extirpação", necessariamente gerariam filhos sem a natureza pecaminosa. Mas, mesmo que fosse realidade essa "extirpação", ainda haveria o conflito com o mundo, a carne (à parte da natureza pecaminosa) e o diabo; pois a "extirpação" desses males é obviamente antibíblica e não está incluída na própria teoria.
A erradicação é também contrária à experiência.

(b) Legalismo, ou a observância de regras e regulamentos. Paulo ensina que a lei não pode santificar (Rom. cap. 6), assim como também não pode justificar (Rom. 3). Essa verdade é exposta e desenvolvida na carta aos Gálatas. Paulo não está de nenhuma maneira depreciando a lei. Ele a está defendendo contra conceitos errôneos quanto a seu propósito. Se um homem for salvo do pecado, terá que ser por um poder à parte de si mesmo. Vamos empregar a ilustração dum termômetro. O tubo e o mercúrio representam o indivíduo. O registro dos graus representará a lei. Imaginem o termômetro dizendo: "Hoje não estou funcionando exatamente; devo chegar no máximo a 30 graus." Será que o termômetro poderia elevar-se à temperatura exigida? Não, deveria depender duma condição/ora dele mesmo. Da mesma maneira o homem que percebe não estar à altura do ideal divino não pode elevar-se em um esforço por alcançá-lo. Sobre ele deve operar uma força à parte dele mesmo; essa força é o poder do Espírito Santo.

(c) Ascetismo. É a tentativa de subjugar a carne e alcançar a santidade por meio de privações e sofrimentos — o método que seguem os católicos romanos e os hindus ascéticos.
Esse método parece estar baseado na antiga crença pagã de que toda matéria, incluindo o corpo, é má. O corpo, por conseguinte, é uma trava ao espírito, e quanto mais for castigado e subjugado, mais depressa se libertará o espírito. Isso é contrário às Escrituras, que ensinam que Deus criou tudo muito bom. É a alma e não o corpo que peca; portanto, são os impulsos pecaminosos que devem ser subjugados, e não a carne material. Ascetismo é uma tentativa de matar o "eu", mas o "eu" não pode vencer o "eu". Essa é a obra do Espírito.

5. O verdadeiro método da santificação.

O método bíblico de tratar com a carne, deve basear-se obviamente, na provisão objetiva para a salvação, o sangue de Cristo; e na provisão subjetiva, o Espírito Santo. A libertação do poder da carne, portanto, deve vir por meio da fé na expiação e por entregar-se à ação do Espírito. O primeiro é tratado no sexto capítulo de Romanos, e o segundo na primeira parte do capítulo oitavo.

(a) Fé na expiação. Imaginemos que houvesse judeus presentes (o que sucedia com freqüência) enquanto Paulo expunha a doutrina da purificação pela fé. Nós os imaginamos dizendo em protesto: "Isso é uma heresia do tipo mais perigoso!" Dizer ao povo que precisam crer unicamente em Jesus, e que nada podem fazer quanto à sua salvação porque ela é pela graça de Deus, tudo isso resultará em que descuidarão de sua maneira de viver. Eles julgarão que pouco importa o que façam, uma vez que creiam. Sua doutrina de fé fomenta o pecado. Se a justificação é pela graça e nada mais, sem obras, por que então romper com o pecado? Por que não continuar no pecado para que abunde ainda mais a graça? Os inimigos de Paulo efetivamente o acusaram de pregar tal doutrina. (Rom. 3:8; 6:1.) Com indignação Paulo repudiou tal perversão. "De modo nenhum . Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?" (Rom. 6:2). A continuação no pecado é impossível a um homem verdadeiramente justificado, em razão de sua união com Cristo na morte e na vida. (Vide Mat. 6:24.) Em virtude de sua fé em Cristo, o homem salvo passou por uma experiência que inclui um rompimento tão completo com o pecado, que se descreve como morte para o pecado, e uma transformação tão radical que se descreve como ressurreição. Essa experiência é figurada no batismo nas águas. A imersão do convertido testifica do fato que em razão de sua união com o Cristo crucificado ele morreu para o pecado; ser levantado da água testifica que seu contacto com o Cristo ressuscitado significa que "como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida" (Rom. 6:4). Cristo morreu pelo pecado a fim de que nós morrêssemos para o pecado.
"Aquele que está morto está justificado do pecado" (Rom. 6:7). A morte cancela todas as obrigações e rompe todos os laços. Por meio da união com Cristo, o cristão morreu para a vida antiga, e os grilhões do pecado foram quebrados. Como a morte dava fim à servidão do escravo, assim a morte do crente, que morreu para o mundo, o libertou da servidão ao pecado. Continuando a ilustração: A lei nenhuma jurisdição tem sobre um homem morto. Não importa qual seja o crime que haja cometido, uma vez morto, já está fora do poder da justiça humana. Da mesma maneira, a lei de Moisés, muitas vezes violada pelo convertido, não o pode "prender", pois, em virtude de sua experiência com Cristo, ele está "morto". (Rom. 7:1-4; 2 Cor. 5:14.)
"Sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado, mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rom. 6:9-11). A morte de Cristo pôs fim a esse estado terrenal no qual ele teve contacto como o pecado; sua vida agora é uma constante comunhão com Deus. Os cristãos, ainda que estejam no mundo, podem participar de sua experiência, porque estão unidos a ele. Como podem participar? "Considerai-vos como mortos para o pecado, nas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor." Que significa isso? Deus já disse que por meio da nossa fé em Cristo, estamos mortos para o pecado e vivos para a justiça. Resta uma coisa a fazer; crer em Deus e considerar ou concluir que estamos mortos para o pecado. Deus declarou que quando Cristo morreu, nós morremos para o pecado; quando ele ressuscitou, nós ressuscitamos para viver uma nova vida. Devemos continuar considerando esses fatos como absolutamente certos; e, ao considerá-los assim, tornar-se-ão poderosos em nossa vida, pois, seremos o que reconhecemos que somos. Uma distinção importante tem sido assinalada, a saber, a distinção entre as promessas e os fatos da Bíblia. Jesus disse: "Se vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito" (João 15:7). Essa é uma promessa, porque está no futuro; é algo para ser feito. Mas quando Paulo disse que "Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras", ele está declarando um fato, algo que foi feito. Vide a expressão de Pedro: "Pelas suas feridas fostes sarados" (1 Ped. 2:24). E quando Paulo declara "que o nosso homem velho foi com ele crucificado", ele está declarando um fato, algo que aconteceu. A questão agora é: estamos dispostos ou não a crer
no que Deus declara que são fatos acerca de nós? Porque a fé é a mão que aceita o que Deus gratuitamente oferece.
Será que o ato de descobrir a relação com Cristo não constitui a experiência que alguns têm descrito como "a segunda obra da graça"?


(b) Cooperação com o Espírito. Os capítulos 7 e 8 de Romanos continuam o assunto da santificação; tratam da libertação do crente do poder do pecado, e do crescimento em santidade. No cap. 6 vimos que a vitória sobre o poder do pecado foi obtida pela/é. O capítulo 8 apresenta outro aliado na batalha contra o pecado — o Espírito Santo.
Como fundo para o capítulo 8 estuda-se a linha de pensamento no cap. 7, o qual descreve um homem voltando-se para a lei a fim de alcançar santificação. Paulo demonstra aqui a impotência da lei para salvar e santificar, não porque a lei não seja boa, mas por causa da inclinação pecaminosa da natureza humana, conhecida como a "carne". Ele indica que a lei revela o fato (v. 7), a ocasião (v.8), o poder (v.9), a falsidade (v. 11), o efeito (vs. 10,11), e a vileza do pecado (vs. 12,13).
Paulo, que parece estar descrevendo sua própria experiência passada, diz-nos que a própria lei, que ele tão ardentemente desejava observar, suscitava impulsos pecaminosos dentro dele. O resultado foi "guerra civil" na sua alma. Ele é impedido de fazer o bem que deseja fazer, e impelido a fazer o que odeia. "Acho então esta lei em mim; que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros" (vs. 21-23).
A última parte do capítulo 7, evidentemente, apresenta o quadro do homem debaixo da lei, que descobriu a perscrutadora espiritualidade da lei, mas em cada intento de observá-la se vê impedido pelo pecado que habita nele. Por que descreve Paulo esse conflito? Para demonstrar que a lei é tão impotente para santificar como o é para justificar.
"Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?" (v. 24 Vide 6:6). E Paulo, que descrevia a experiência debaixo da lei, assim testifica alegremente de sua experiência debaixo da graça: "Dou graças a Deus (que a vitória vem) por Jesus Cristo nosso Senhor" (v. 25). Com essa exclamação de triunfo entramos no maravilhoso capítulo oitavo, que tem por tema dominante a libertação da natureza pecaminosa pelo poder do Espírito Santo.
Há três mortes das quais o crente deve participar: 1) A morte no pecado, isto é, nossa condenação. (Efés. 2:1; Col. 2:13.) O pecado havia conduzido a alma a essa condição, cujo castigo é a morte espiritual ou separação de Deus. 2) A morte pelo pecado, isto é, nossa justificação. Cristo sofreu sobre a cruz a sentença duma lei infligida, e nós, por conseguinte, somos considerados como a havendo sofrido nele. O que ele fez por nós é considerado como se fosse feito por nós mesmos. (2 Cor. 5:14; Gál. 2:20.) Somos considerados legal ou judicialmente livres da pena duma lei violada, uma vez que pela fé pessoal consentimos na transação. 3) A morte para o pecado, isto é, nossa santificação. (Rom. 6:11.) O que é certo para nós deve ser feito real em nós; o que é judicial deve se tornar prático; a morte para a pena do pecado deve ser seguida pela morte para o poder do pecado. E essa é a obra do Espírito Santo. (Rom. 8:13.) Assim como a seiva que ascende na árvore elimina as folhas mortas que ficaram presas aos ramos, apesar da neve e das tempestades, assim o Espírito Santo, que habita em nós, elimina as imperfeições e os hábitos da vida antiga.

6. Santificação completa.

Muitas vezes esta verdade é discutida sob o tema: "Perfeição cristã."

(a) Significado de perfeição. Há dois tipos de perfeição: absoluta e relativa. É absolutamente perfeito aquilo que não pode ser melhorado; isso pertence unicamente a Deus. E relativamente perfeito aquilo que cumpre o fim para o qual foi designado; essa perfeição é possível ao homem.
A palavra "perfeição", no Antigo Testamento, significa ser "sincero e reto" (Gên 6:9; Jó 1:1). Ao evitar os pecados das nações circunvizinhas, Israel podia ser uma nação "perfeita" (Deut. 18:13). No Antigo Testamento a essência da perfeição é o desejo e a determinação de fazer a vontade de Deus. Apesar dos pecados que mancharam sua carreira, Davi pode ser chamado um homem perfeito e "um homem segundo o coração de Deus", porque o motivo supremo de sua vida era fazer a vontade de Deus.
No Novo Testamento a palavra "perfeito" e seus derivados têm uma variedade de aplicações, e, portanto, deve ser interpretada segundo o sentido em que os termos são usados. Várias palavras gregas são usadas para expressar a idéia de perfeição: 1) Uma dessas palavras significa ser completo no sentido de ser apto ou capaz para certa tarefa ou fim. (2 Tim. 3:17.) 2) Outra denota certo fim alcançado por meio do crescimento mental e moral. (Mat. 5:48; 19:21; Col. 1:28; 4:12 ; Heb. 11:40.) 3) A palavra usada em 2 Cor. 13:9; Efés 4:12; e Heb. 13:21 significa um equipamento cabal. 4) A palavra usada em 2 Cor. 7:1 significa terminar, ou trazer a uma terminação. A palavra usada em Apoc. 3:2 significa fazer repleto, cumprir, encher (como uma rede), nivelar (um buraco).
A palavra "perfeito" descreve os seguintes aspectos da vida cristã: 1) Perfeição de posição em Cristo (Heb. 10:14) — o resultado da obra de Cristo por nós. 2) Madureza e entendimento espiritual, em contraste com a infância espiritual. (1 Cor. 2:6; 14:20;2Cor. 13:11; Fil. 3:15;2Tim. 3:17) 3) Perfeição progressiva. (Gál. 3:3.) 4) Perfeição em certos particulares: a vontade de Deus, o amor ao homem, e serviço. (Col. 4:12; Mat. 5:48; Heb. 13:21.) 5) A perfeição final do indivíduo no céu. (Col. 1:28,22; Fil. 3:12; 1Ped. 5:10.) 6) A perfeição final da igreja, ou o corpo de Cristo, isto é, o conjunto de crentes. (Efés. 4:13; João 17:23.)

(b) Possibilidades de perfeição. O Novo Testamento apresenta dois aspectos gerais da perfeição: 1) A perfeição como um dom da graça, o qual é a perfeita posição ou estado concedido ao arrependido em resposta à suafé em Cristo. Ele é considerado perfeito porque tem um Salvador perfeito e uma justiça perfeita. 2) A perfeição como realmente efetuada no caráter do crente. É possível acentuar em demasia o primeiro aspecto e descuidar do Cristianismo prático. Tal aconteceu a certo indivíduo que, depois de ouvir uma palestra sobre a Vida Vitoriosa, disse ao pregador: "Tudo isso tenho em Cristo." "Mas o senhor tem isso consigo, agora, aqui em Glasgow?" foi a serena interrogação. Por outra parte, acentuando demais o segundo aspecto, alguns praticamente têm negado qualquer perfeição à parte do que eles encontram em sua própria experiência.
João Wesley (o fundador do Metodismo) parece haver tomado uma posição intermediária entre os dois extremos. Ele reconhecia que a pessoa era santificada na conversão, mas afirmava a necessidade da inteira santificação como outra obra da graça. O que fazia essa experiência parecer necessária era o poder do pecado, que era a causa de o cristão ser derrotado. Essa bênção vem a quem buscar com fidelidade; o amor puro enche o coração e governa toda a obra e ação, resultando na destruição do poder do pecado.
Essa perfeição no amor não é considerada como perfeição absoluta, nem tampouco isenta o crente de vigilância e cuidados constantes. Wesley escreveu: "Creio que a pessoa cheia do amor de Deus ainda está propensa a transgressões involuntárias. Tais transgressões vocês poderão chamá-las de pecados, se quiserem; mais eu não." Quanto ao tempo da inteira santificação, Wesley escreveu:

"É esta morte para o pecado e renovação no amor, gradual ou instantânea? Um homem poderá estar à morte por algum tempo; no entanto, propriamente falando, não morre enquanto não chegar o instante em que a alma se separa do corpo; e nesse momento ele vive a vida da eternidade. Da mesma maneira a pessoa poderá estar morrendo para o pecado por algum tempo; entretanto, não está morto para o pecado enquanto o pecado não for separado de sua alma; é nesse momento que vive a plena vida de amor. E da mesma maneira que a mudança sofrida quando o corpo morre é duma qualidade diferente e infinitamente maior que qualquer outra que tenhamos conhecido antes, tão diferente que até então era impossível conceber, assim a mudança efetuada quando a alma morre para o pecado é duma classe diferente e infinitamente maior que qualquer outra experimentada antes, e que ninguém pode conceber até que a experimente. No entanto, essa pessoa continuará a crescer na graça, no conhecimento de Cristo, no amor e na imagem de Deus; e assim continuará, não somente até a morte, mas por toda a eternidade. Como esperaremos essa mudança? Não em um descuidado indiferentismo, ou indolente inatividade; mas em obediência vigorosa e universal, no cumprimento fiel dos mandamentos, em vigilância e trabalho, em negarmo-nos a nós mesmos, tomando diariamente a nossa cruz; como também em oração fervorosa e jejum, e atendendo bem às ordenanças de Deus. E se alguém pensa em obtê-la de alguma outra maneira (e conservá-la quando a haja obtido, mesmo quando a haja recebido na maior medida) esse alguém engana sua própria alma."

João Calvino, que acentuara a perfeição do crente pela consumada obra de Cristo, e que não era menos zeloso da santidade de que Wesley, dá o seguinte relato da perfeição cristã:

"Quando Deus nos reconcilia consigo mesmo, por meio da justiça de Cristo, e nos considera como justos por meio da livre remissão de nossos pecados, ele também habita em nós, pelo seu Espírito, e santifica-nos pelo seu poder, mortificando as concupiscências da nossa carne e formando o nosso coração em obediência à sua Palavra. Desse modo, nosso desejo principal vem a ser obedecer à sua vontade e promover a sua glória. Porém, ainda depois disso, permanece em nós bastante imperfeição para repelir o orgulho e constranger-nos à humildade." ( Ecl. 7:20; 1Reis 8:46.)

Ambas as opiniões, a perfeição como dom em Cristo e a perfeição como obra real efetuada em nós, são ensinadas nas Escrituras; o que Cristo fez por nós deve ser efetuado em nós. O Novo Testamento sustenta um ideal elevado de santidade e afirma a possibilidade de libertação do poder do pecado. Portanto, é dever do cristão esforçar-se para conseguir essa perfeição. (Fil. 3:12; Heb.6:l.)
Em relação a isto devemos reconhecer que o progresso na santificação muitas vezes implica uma crise na experiência, quase tão definida como a da conversão. Por um meio ou outro, o crente recebe uma revelação da santidade de Deus e da possibilidade de andar mais perto dele, e essa experiência é seguida por um conhecimento interior de ter ainda alguma contaminação. (Vide Isa. 6.) Ele chegou a uma encruzilhada na sua experiência cristã, na qual deverá decidir se há de retroceder ou seguir avante, com Deus. Confessando seus fracassos passados, ele faz uma reconsagração, e, como resultado, recebe um novo aumento de paz, gozo e vitória, e também o testemunho de que Deus aceitou sua consagração. Alguns têm chamado a essa experiência uma segunda obra da graça.
Ainda haverá tentação de fora e de dentro, e daí a necessidade de vigilância (Gál. 6:1; ICor. 10:12); a carne é fraca e o cristão está livre para ceder, pois está em estado de prova (Gál. 5:17; Rom. 7:18, Fil. 3:8); seu conhecimento é parcial e falho; portanto, pode estar sujeito a pecados de ignorância. Porém ele pode seguir avante, certo de que pode resistir e vencer toda a tentação que reconheça (Tia. 4:7; 1 Cor. 10:13; Rom. 6:14; Efés. 6:13,14); pode estar sempre glorificando a Deus cheio dos frutos de justiça (1 Cor. 10:31; Col. 1:10); pode possuir a graça e o poder do Espírito e andar em plena comunhão com Deus (Gál. 5:22, 23; Efés. 5:18; Col. 1:10,11; 1 João 1:7); pode ter a purificação constante do sangue de Cristo e assim estar sem culpa perante Deus. (1 João 1:7; Fil. 2:15; 1Tess. 5:23).

V. A Segurança da Salvação

Temos estudado as preparações para a salvação e considerado a natureza desta. Nesta seção consideramos: É a Salvação final dos cristãos incondicional, ou poderá perder-se por causa do pecado?
A experiência prova a possibilidade duma queda temporária da graça, conhecida por "desviar-se". O termo não se encontra no Novo Testamento, senão no Antigo Testamento. Uma palavra hebraica significa "voltar atrás" ou "virar-se"; outra palavra significa "volver-se" ou ser "rebelde". Israel é comparado a um bezerro teimoso que volta para trás e se recusa a ser conduzido, e torna-se insubmisso ao jugo. Israel afastou-se de Jeová e obstinadamente se recusou a tomar sobre si o jugo de seus mandamentos.
O Novo Testamento nos admoesta contra tal atitude, porém usa outros termos. O desviado é a pessoa que outrora tinha o zelo de Deus, mas agora se tomou fria (Mat. 24:12); outrora obedecia à Palavra, mas o mundanismo e o pecado impediram seu crescimento e frutificação (Mat. 13:22); outrora pôs a mão ao arado, mas olhou para trás (Luc. 9:62); como a esposa de Ló, que havia sido resgatada da cidade da destruição, mas seu coração voltou para ali (Luc. 17:32); outrora estava em contacto vital com Cristo, mas agora está fora de contacto, e está seco, estéril e inútil espiritualmente (João 15:6); outrora obedecia à voz da consciência, mas agora jogou para longe de si essa bússola que o guiava, e, como resultado, sua embarcação de fé destroçou-se nas rochas do pecado e do mundanismo (1 Tim. 1:19); outrora alegrava-se em chamar-se cristão, mas agora se envergonha de confessar a seu Senhor (2 Tim. 1:8 ;2:12); outrora estava liberto da contaminação do mundo, mas agora voltou como a "porca lavada ao espoja-douro de lama" (2 Ped. 2:22; vide Luc. 11:21-26).
É possível decair da graça; mas a questão é saber se a pessoa que era salva e teve esse lapso, pode finalmente perder-se. Aqueles que seguem o sistema de doutrina calvinista respondem negativamente; aqueles que seguem o sistema arminiano (chamado assim em razão de Armínio, teólogo holandês, que trouxe a questão a debate) respondem afirmativamente.

Extraído do Livro: Conhecendo as Doutrinas da Bíblia - Myer Pearlman
Compilado por: Cleber Renato da Silva
http://cleberrenato.olhaki.net/

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